quarta-feira, dezembro 21, 2016

os corredores habitados



intervalo sonoro, redundância um


 chegado lá, sob o pranto escuro da noite, os olhos espraiando-se sobre calçadas e águas, riscos sonoros deixados sobre elas, as calçadas, e vigílias soletrando os segredos marítimos, sobre o mar pasmado de solidão, a planura doce da superfície enigmática e vegetal da ria, deixo rolar os meus ouvidos ao sabor da linfa nocturna, rasto dos apitos, do chapinhar das minúsculas ondulações dos pequenos botes, da luz dando no espelho d´água, esbracejados reflexos como lantejoulas  suspensas em fios de prata, entre o mar vago e nocturno, lágrimas dos residuais tempos de alguma meninice; e lá está, rente ao vaguear, o grande barco marítimo, absorvido pela fluorescência de miríades de luzes desenhando a silhueta opalina sobre o fundo de um avental negro de viúva; o mastro, dirigido em agulha festiva às estrelas, resplandece como lágrima pendente para o subterrâneo das águas, festival de fogo-de-artifício em imersão. Oiço o tu-cá, tu-lá, de vozes alongando o espaço; entro, no colorido verniz da algazarra pressente-se a noite em vibração; instalam-se instrumentos, mãos ágeis retiram das cordas rasgões sonoros, sopros dialogantes soltam-se das curvas dos metais, um baterista ensaia em grinalda de gestos os contornos graves dos ritmos; é noite de claridades sonoras e apertos; certos, já se arrumaram recostados nos cadeirões, eles e elas, sorrindo afoitadamente,  os olhos enrolam o espaço com visceral prazer, jubilo de agradecimento aos próximos actos; espaço sem sangue, sem detritos, sem desordens nos rostos; afagam-se os tampos das mesas, contido sinal de apaziguamento; soltam-se os ritmos, as cadências musicais desprendem-se da atmosfera quente, pulverizada de sensualidade amena, e anoitam nos ouvidos; as enfeitadas mesas, de copos e garrafas, ilustram as salvas dos bebedores, enquanto o trio se eleva em solos abertos à imaginação e à catarse; o saxofonista ronda as mesas filtrando acordes nos corações embevecidos; há palmas e estrépitos naquela pequena mancha sonora do mundo.